Saturday, December 09, 2006

Noite de lua cheia sem lua

Estavam acesos os melhores incensos naquela tarde. Saí de casa com aroma de fumaças orientais no meio desse ocidente perdido. Apaguei a vela no meio do circulo e agarrei a minha menina pela mão, já era hora. A noite prometia, e não era falsa.
O garoto enchapelado já esperava no portão, e havia ainda um resto de cambada guardando nossos truques a batuques.
Era no centro da cidade, a indita cidade dos rios e das pontes. A maldita cidade, habitada por nós, desatinos. Então guarda seu tino no bolso, não é hora de usá-lo. Amanhã tu o retomas,tu só não guardas por muito tempo, se não acaba perdendo de vez. Tira tudo que não presta e põe na mesa, combina com carne e com pão, combina com pão e com circo. Mas não quando se tem uma mente impenetrável.
Lugar fechado. Escadas tortuosas, corações amarrotados sentados nas banquetas. Como um cárcere mesmo, concreto e grades , mas com vista para o céu, cinéreo naquela noite, assim como hoje.Éramos loucos, perdidos, presos entre paredes. Trancafiados na casa do Sr. Trigueiro, o menino sem fé nem juízo, mas quem se importa?! Só as mães.
Sentei-me. Contemplei o sabor das fumaças aos ares, não era oriental, não era incenso. Agarrei meu copo e não larguei mais. Na medida que o tempo passava, ia cozinhando.
Conversa vai, conversa vem. Um segredo no pé da escada, e alguns sussurros nas orelhas.O moço esguio falava-me de paixões platônicas e agudas. As escadas possuem bons ouvidos, eu também. Assim como você, meu caro, possuo segredos, mas sem nomes, por favor.
Lá em cima eram risos, sujeitos de camisa listrada, sujeitas de casaco de veludo, e mocinhos de camisa branca, crua e nua.E um ser, todo em negro, entre as nossas calças jeans.
Entre contos depravados e férteis discussões, o churrasco ficou na chuva e quase apagou. Foi necessário o nosso recolhimento para dentro da lavanderia.
Parece Que os Deuses não nos queriam lá fora.Não era dia de Baco. Na verdade era dia de Vênus, mas naquele dia não havia beleza.No entanto, Júpiter insistia em realizar grandezas, Deus pomposo que é.Mas eu Digo que dia de Dionísio é todo dia.
A noite passou, e as bocas também.Já não via nada certo, e não ouvia direito. Minha visão era um campo luminoso distorcido, e as vozes soavam como silvos.
Aos beijos com a garrafa, um sujeito me aparece.Senta-te.Deita-te, olha os céus.Hoje é noite de lua cheia, mas ela está perdida dentro das nuvens.Dizem os sábios dos astros que a lua cheia acentua as emoções, e dizem supersticiosos que a noite de lua cheia é a noite dos lobisomens e vampiros.Não, a noite é nossa.Noite cheia, noite fértil, noite que acolhe seus filhos desgraçados.
Por um longo tempo olhei o céu enquanto a fumaça subia em serpentina.
Esconderam de mim as estrelas e apagaram a Deusa sem ser lua nova. Deixaram-me só.
Falamos de sonhos, de astros e de feromônios. Mas então o encanto de Cinderela acabara. Vamos moça, já está na sua hora.Só não deixe seu sapato minha querida, que não há príncipe que o junte.Vamos, antes que o relógio grite meia-noite.Sua carruagem, meu bem?! Uma abóbora encantada puxada por ratos?! Nada disso.Não é uma cinderela típica, não há de ser uma carruagem típica.Uma laranja mecânica?!Também não.O melhor que uma Cinderela pode ter em um país de terceiro mundo é uma tangerina azul encantada com vermes que passeiam na luz da lua, numa noite sem lua,como já citado anteriormente. E vamos de volta para casa.
O caminho é longo, mas não é triste.Os bonecos de neve enfeitam a cidade, usam cartolas de luxo feitas de garrafas PET, bem como seu corpo que não é de neve.
A vantagem de ir-se embora em uma carruagem de tangerina azul com vermes que passeiam na luz da lua é a trilha sonora.Beatles,Seixas,Led e mais. Freddie Mercury ressuscitou em nossas corpos inspirados e cantantes.Os braços dados, as mentes unidas, mas tudo estava desafinado. O que importa de verdade é a intenção.
Já estávamos em nosso destino, em meio a um campo de batalhas e um campo de girassóis.Uma calçada fria, um papo quente.Sexo drogas e rock´n´roll é o lema.Mas nem tudo é levado ao pé da letra.
Encantada.As flores tem cheiro de morte?! Quem sabe!O nome da rosa ninguém sabia, mas ela tinha cheiro de amor.Doce e tonteante.As flores do campo estavam na cabeça, enfeitando orelhas e faces no escuro.O pé de alecrim exalava seu doce odor no jardim da Cinderela, que agora era o sol do seu girassol.
Entre Cinderela, deixe de conversa fiada.Voltemos nós para o jogo de cartas.Desta vez, eu era a rainha de espadas, furtando os coringas alheios.
O senhor enchapelado cantava e tocava para o baralho todo, era o velho Rock´n´roll amaldiçoando o mais novo baralho.Era a nossa geração em contato com uma outra.
A lua não acendia mais e era hora de ir.Dêem as mãos e voltemos todos juntos.Deixe que as mágoas se dissolvam no amanhecer.E deixa que alegria renasça como a força do rock, que prevalece sobre o tempo.
No começo do dia, eu terminei sozinha.Uma rosa.Tênue rosa esperando pelo orvalho da manhã.

Saturday, October 21, 2006

Veneno na boca

Assim como o Diabo faz em seus pactos ,ela fazia.Assinava com sangue a superfície facial de suas vitimas.
Era ela,com rubros sinais,matava e morria pela boca.Sempre querendo mais,desejando exaurir tudo.
Com os lábios sangrando por fora e o coração por dentro,ela saía despejando sangue.Uma vampira insaciável,sugadora das vontades e dos desejos.Só ficavam para trás alguns corpos,meio mortos,meios vivos.Exânimes.
Maligna.Pungindo faces com beijos purpúreos como quem marca seu rebanho a ferro e fogo.Com olhos vazios ela fita.Com boca cheia ela beija.

Thursday, October 12, 2006

Corte Noturna

Noites curtas e ressonantes,recheadas de escárnio para com o mundo,recheadas de fausto,de luxo,conversas e risos.
Senhores da noite,intelectuais e beberrões,fanfarrões , roqueiros,damas e vagabundos , uma cambada só,em seu reservado mundo.Senhores que bebem do tempo com sede de vida,senhores que bebem do álcool com sede de folia.
Verdadeiras cortes noturnas,com reis,rainhas e princesas.Também há bobos da corte,senhores da servidão e escravos que clamam por luxúria.Todos unidos fugindo da crueldade do mundo,fazendo da vida uma miscelânea difusa.
As rainhas e princesas desta corte são belas e elegantes,tem cheiro de amor e gosto incandescente.Os bobos da corte e os escravos estão sempre presos as suas saias,procurando por pernas que os dê sustentação.
Já o Rei é uma figura tétrica.Acha que é Deus e que pode controlar tudo e todos.É o Rei dos lupanares,dos bêbados e dos doentes.
A verdade é que este rei é dono de um coração repleto de travos,desgostos e machucados.Seu gosto é amargo com um toque adocicado,e seu cheiro é concupiscente.
É um Rei sorridente mas solitário.Tão feliz quanto sua própria desgraça,este rei carrancudo.
Eita corte maldita! Mais feliz não há!

Tuesday, October 03, 2006

Confissões embaralhadas

Noite fria era aquela , em que as estrelas se escondiam e as luzes tremeluziam ao longe, lá,
onde o destino me aguardava.Uma profusão de vozes na minha cabeça auspiciosamente sussurravam, diziam que sim e diziam que não. Queriam , mas repulsavam.Desejavam , mas sabiam que era pecado .Não havia um consenso , sabia-se somente que a liberdade prevalecia.
Mas já era hora , não sabia nem mesmo quem eu era, então de nada adiantaria fazer escolhas,quando não se tem o que compartilhar a única opção é a solidão.Quando o desejo de liberdade é maior que a própria vontade , não existe ato ou amor capazes de afastar esse desejo.Sou de todos , e não só de um.Quero abraçar o mundo , e não um ser somente.
Eu estive lá , enquanto ninguém me via. Observando , mesmo “não” estando presente, naqueles centros onde a alegria corria solta Fui só mais um , ou nem fui nada , passei despercebidamente,mas com olhos atentos , eu digo, que eu vi e tive meus alvos, que eu tenho sentidos aguçados, além da realidade presente.
Já agora fora de meus devaneios, era chegado o momento.As palavras sangravam da minha boca,escorriam com dor pelos meus lábios,agora intocáveis e desprezíveis;mas era preciso ser dito.O vazio se tornou profuso, se estendia cada vez mais lá dentro , e não podia fazer mais nada além de sentir e lamentar.
Hora de retornar,queria o caminho da ponte.O Rio lá em baixo, tristonho , capengava em seu leito.Queria que minhas mágoas fossem como o lixo, descartáveis e simples de lidar.Eu queria poder atirá-las no rio , ver ele carregar pra longe , ver a dores sumirem no horizonte e quem sabe um sorriso me caísse dos céus.Mas nada é assim....
Passos curtos , respiração ofegante , o silêncio cortante.Se eu morresse , não sentiria , pois não era nada.Era vazio, e era só.O próprio nada no meio do nada acompanhado de uma elegante sombra negra e moribunda.E nenhuma estrela para iluminar.